Estamos em período de campanha eleitoral. Aproximam-se as eleições autárquicas e qualquer partido/candidato é uma possível vítima de humor fácil e imediato, e de sucesso garantido. Naturalmente eu não podia deixar de aproveitar esta oportunidade.

Ok, não me ocorre nada.

Mentira. Na realidade, este período não cria em mim vontade de seguir caminhos de demagogia e crítica fácil, de dissecar vontades políticas e as suas falhas – se é que a vontade política não é uma falha em si. Este período não me suscita reflexões sobre os erros da sociedade moderna, de uma democracia que é uma negação de si mesma entregando o poder a grupos económicos que em pouco ou nada contribuem para o equilíbrio da sociedade. Nada disso me passa sequer pela cabeça, confesso. Nem mesmo uma constatação filosófica acerca de um regime que se apoia na sua maior falha, as maiorias, negligenciando o facto de a maioria quase nunca ter razão. Nunca tal me ocorreu, sequer. Mas vou tomar nota.

Tempos de eleições trazem-me à memória outros tempos. Tempos de repressão. Tempos de liberdade reduzida, tempos de opressão baseada na lei do mais forte. Ou, se preferirem, os tempos do ciclo. Onde o que faz a diferença entre bons e cromos é a capacidade física e o facto de conseguirem ou não colocar uma bola de futebol do outro lado do campo sem deslocar um músculo e sem ficar estendido no chão. Mas não é disso que quero falar, porque o meu psicólogo hoje não apareceu. Alguns dos momentos que mais temi ao longo da minha escolaridade obrigatória processaram-se dentro das salas de aula. Da sala de aula do director de turma, mais concretamente. Era o início de cada ano lectivo e tornava-se necessário escolher o representante máximo da turma. O Delegado.

Sempre me pareceu um nome demasiado pomposo e irreal para um cargo que não fazia mais do que atribuir a algum infeliz a necessidade de ser o Queixinhas-Mor e de marcar presença em reuniões tenebrosas com os professores; mas não interessa. Interessa-me hoje abordar a eleição propriamente dita. Tendo raízes de revolução e sindicalismo na história da minha família, sempre defendi uma abordagem o mais democrática possível daquela instituição que era a Delegacia de Turma. Todos os anos me bati, de forma infrutífera, por um processo de campanha eleitoral e escolha de uma pessoa que se oferecesse para o cargo e que desde logo desse garantias de cumprir a sua função de forma eficaz, ou seja, assumindo toda a responsabilidade de se tornar o inimigo público quando alguém fizesse asneira. O máximo que consegui foi ter uma professora a dizer “pronto, quem quiser oferece-se para ser candidato, mas podem votar em quem quiserem na mesma”. Tenho ideia que olhou para mim com ar de tédio quando proferiu estas palavras, depois de uma longa discussão sobre como se faria o processo. Para um professor é simples: só tem de anunciar a eleição, escolher alguém para ir escrevendo no quadro os resultados e observar com um sorriso doentio enquanto se esgrimam opiniões e se arrancam cabelos e orgulhos na multidão. Para alguns alunos, não é um cenário assim tão agradável. Principalmente para aqueles que não tinham os dotes de comunicação completamente desenvolvidos na altura e preferiam ficar a fazer os trabalhos de casa enquanto os outros iam jogar futebol, e de qualquer maneira eles nunca me escolhiam portanto não fazia diferença. Porque o delegado nunca foi a pessoa de maior valor; foi simplesmente a vítima escolhida no calor do momento. Nos anos bons, a vítima era a rapariga gira que tinha vários pretendentes quatro ou cinco anos mais adiante – embora estes revelassem habitualmente a capacidade de percepção do mundo equivalente à terceira classe. Mas para ela a atenção era uma coisa natural, e até podia dar-se ao luxo de não aparecer às reuniões, porque sim. O problema eram os outros anos, quando as vítimas eram escolhidas entre os não-tão-populares-como-isso. Aí, era um salve-se quem puder, e só estava nas nossas mãos juntar o máximo de votos entre os não-tão-populares-como-isso para evitar uma eleição indesejada e que provocaria aplausos e murros nas mesas na ala mais conservadora, a ala dos poderes instituídos, ou “a fila de trás”. Felizmente, consegui sempre escapar à eleição – possivelmente alguns não saberiam o meu nome – embora tenha uma vaga recordação de por uma vez ter recusado o cargo de sub-delegado. Não que não me sentisse à altura da responsabilidade, simplesmente tinha já princípios de recusa de hierarquias quando não geradas por valor e mérito próprio e avaliado com competência e imparcialidade. A sério que era isso. O facto de ser ELA a delegada era uma pura coincidência.

Já me sinto melhor. Avante.

Novo Mundo

Será que numa época em que já temos datações baseadas no carbono 14 e testes de DNA tão evoluídos e praticamente infalíveis, não seria já altura de descobrirem afinal quem é o tal Soldado Desconhecido? É que, parecendo que não, aquela sala do Mosteiro da Batalha ainda é jeitosita e cabiam lá mais dois ou três soldados minimamente populares.

Claro que, fazendo isso, corre-se um grande risco: o de vir a descobrir que o Soldado Desconhecido era José da Silva, morto em combate numa qualquer batalha na Bélgica, numa manhã de nevoeiro de 1917, quando se espreguiçou na trincheira e berrou "já se comia qualquer coisa", acusando a sua presença perante o inimigo. Com que cara é que aqueles soldados do Mosteiro fariam o render de armas depois de saberem essa história?

Bufo

Secretamente perturbado, Jean Baptiste LeMoyne, assiste hoje do seu lugar numa qualquer sala de cinema do Além à destruição da cidade de New Orleans, que fundou em 1718. Até à semana passada era seu hábito regozijar-se em conversas de cafés: 'e depois eu disse-lhes "já sei! vamos construir uma cidade abaixo do nível do mar. fazemos uns diques e tal." e eles "isso é estúpido." e eu "não é nada." e eles "olha que é." e eu "'tou-te a dizer que não é." e eles "mas se a água sobe inunda tudo." e eu "deixem-se de mariquices."'.

E porque o Além é local de ironias perversas, a sua actual mulher, Katrina, falecida ao serviço do KGB, está a braços com uma inundação na cave.




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