Para quem costuma conduzir de manhã ou ao fim da tarde, o cenário não será novo: fila de trânsito, cantarolar umas músicas que estão a passar na rádio, contar o número de linhas que tem o traço que divide as faixas de estrada, ver quantas pessoas estão A) a limpar o nariz B) a ler o jornal C) a cortar as unhas D) a falar ao telemóvel E) todas as anteriores... etc.

Até que, a certa altura, num destes momentos de tranquilidade, alguém decide buzinar. E eu pergunto-me sempre - falar sozinho é um hábito estranho mas cada um tem as suas manias - o que é que o indivíduo que buzinou tencionava alcançar com o gesto. Quer dizer, será que ele pensava que estávamos ali todos parados por desporto, "ah deixa cá abrandar para ver este belo dia que está aqui na auto-estrada"? Não percebo, sinceramente. Haverá alguém que imagina que buzinando, todas as centenas de pessoas que estão com ar de tédio/desespero nos carros à sua volta vão avançar instintivamente? Ou será que acham que ao buzinar, num toque de magia a fila vai começar a avançar, e o buzinante vai ficar a ser olhado com admiração e respeito por todos enquanto pensam "uau, quem me dera ter sido eu a lembrar-me de buzinar primeiro."?

Faz-me confusão. É isso e os sinais de luzes na auto-estrada à noite. Quer dizer, vai um gajo descansado na faixa da direita a respeitar os limites de velocidade e muito lá atrás fazem-lhe sinais de luzes porque vão passar. Naturalmente, até me fazerem os sinais de luzes eu estou sempre a pensar "diacho, vem aí um par de luzes a aproximar-se, é melhor eu pôr-me à frente... pode ser um ovni cheio de extraterrestres parecidas com a Natalie Portman e não posso perder a oportunidade de um encontro de 1º e 2º grau.". Não sei, pode ser problema meu. Se calhar é uma maneira de os condutores se cumprimentarem uns aos outros. Tipo acender os máximos uma vez é "Boa Noite", duas é "Tudo Bem?" e três "Então Até À Próxima". Uma evolução do código Morse, qualquer coisa assim.

Tenho de ler o Código da Estrada novo.

Assim aprendo a escrever com os máximos "E se fosses buzinar para o..." ?

Luto Nacional



Há uns anos, por alturas de Março, havia uma noite em que o país parava, sintonizado na RTP; eram as noites em que famílias eram destruídas aos poucos pela discussão sobre quem estava certo, o voto de Castelo Branco na canção de Rosa Lobato (de) Faria ou a opção pela música de José Cid do júri de Bragança. Eram as noites do Festival RTP da Canção, monopolizador de atenções e conversas, feito assinalável para um evento com meia-hora de música e duas horas de ligações para as capitais de distrito. Era uma época em que se recuperavam todos os Festivais anteriores; e fala a voz da experiência, porque num ano em que a RTP se propôs a escolher a melhor música de sempre do festival, consegui decorar o anúncio em que eles passavam excertos de todas as músicas que tinham ganho. Sim, eu tive uma infância infeliz. Mas ainda hoje dou por mim a trautear a sequência "Sobe, sobe, balão sobe/ vai pedir àquela estrela/que me deixe lá viver e sonhar/ papagaio loiro, daili daili daili daili (...) dou". Isto juntando a outros excertos que ainda recordo, como o "venham os novos e os velhos, mas que nenhum me dê conselhos" do Carlos Mendes e o "o vento mudou e ela não voltou" já não sei de quem.

Nasci para um país que estava ainda a recuperar da imagem de José Cid a cores cantando "Amore, amour, mein liebe, love of my life", e tornei-me aos poucos (secretamente, saliente-se) um fã do festival da canção. Sim, eu tenho mp3 da Tourada e do E Depois do Adeus. Durante cerca de seis meses não consegui cantar nada que não o "quando cai a noite na cidade" da Anabela, e também eu, como todo o país, exultei com a vitória por unanimidade da Sara Tavares (nascida para a música apresentada por Catarina Furtado como Whitney Houston; Catarina Furtado que, sabe-se ao rever o seu programa na SIC Gold, apresentou ao país não só casos como o de Sara Tavares, mas também muita voz que ainda hoje cria pesadelos a muito boa gente).

E foi o fim do Festival da Canção.

A partir daí, começou o descalabro. Só Lúcia Moniz conseguiu quebrar a decadência do Festival, que todos os anos tentavam fazer de maneira diferente, sem resultados positivos. A Eurovisão almejada, noites de glória do voz-off Eládio Clímaco, não deixou de ser um sonho para a música popular portuguesa. E ontem, finalmente, atingimos o ponto mais baixo. À pobre da Sofia da OT não lhe bastou ser muito bonita para convencer os votantes. Mesmo muito bonita. MESMO muito bonita. Mas adiante.

Que os lobbies da Eurovisão existem, já se discutiu muita vez; foi muitas vezes uma boa desculpa para as derrotas. Mas, pátria minha gentil que te partiste, nunca esperei ver Portugal a perder uma votação por telefone. O país onde toda a gente tem telemóvel, onde toda a gente tem vários telemóveis, onde toda a gente faz questão de atender o telemóvel em todo o lado; o país que tem barras SMS temáticas em todos os canais, desde o "Queria dar os parabéns ao Jorge Gabriel e à Sónia Vanessa que faz anos hoje. Luís do Cacém" até ao "a banda que eu gostava de ver tocar em portugal eram os (nome ocultado). metal gotico para sempre. white power", passando pelo "Benfica campeão, para sempre no coração"... penso que é inevitável que se questione toda a existência de um sentimento nacionalista que se perdeu com esta derrota.

Fica a alegria de pensar que, se fosse uma votação por SMS, até os comíamos.




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