Sinal Vermelho

Numa altura em que se discute a alteração da idade de voto e idade para tirar a carta (pelo menos eu discuto; tenho o hábito de discutir frequentemente comigo e, não menos frequentemente, chego à conclusão que é impossível discutir com um ignorante e irrito-me comigo, indo depois falar mal de mim nas minhas costas, o que me dá cabo da coluna), tenho pensado bastante na importância que tem o momento em que escolhemos uma profissão. Não por qualquer razão relacionada com a dedicação de uma vida a um qualquer saber, ou pelo poder determinante que essa escolha tem na nossa capacidade de enfrentar o dia-a-dia com independência. Não. Por razões muito mais importantes: temas de conversa.

Cheguei cedo à conclusão de que escolhi mal a profissão; antes até de a ter praticado na realidade. O curso é mais do que suficiente para se perceber que Arquitectura está, possivelmente, num top 3 de assuntos que não interessam a ninguém, excepto às pessoas ligadas ao meio, e mesmo essas dispensam ouvir as minhas opiniões sobre o tema. Esse “handicap social” prejudica qualquer tipo de relacionamento e impede que, num grupo de amigos, se contem histórias interessantes. A verdade, e a verdade tem de ser dita, é que pouca gente quer saber quem está a construir o quê. As pessoas querem saber o que é que já está construído, onde, e quando é que vamos lá tomar um café.

Mas sinto que esta dor é partilhada, talvez até de forma mais intensa, por outras profissões cuja escolha implica um risco semelhante. Tenho duas palavras: Diamantino Leite. Para quem não sabe, o Diamantino Leite é uma das vozes do trânsito de várias rádios portuguesas. A vida do Diamantino compõe-se apenas da verificação ao longo do dia dos vários locais da cidade do Porto que estão com trânsito. Assim, os temas de conversa de que Diamantino dispõe ao fim de um longo dia de trabalho são: carros, acidentes. Diamantino sofre, certamente. Diamantino sofre em cada jantar com amigos, quando a hilariantes histórias sobre colegas de escritório consegue apenas retorquir com um alegre “sim, mas hoje a Avenida AEP estava mesmo caótica.”

Não é que o trânsito seja um mau assunto. Mas só é um bom assunto se for usado com parcimónia; já toda a gente começou uma conversa com um “não imaginas o trânsito que apanhei para chegar aqui.” Dá sempre um certo ar esforçado, um toque de ansiedade por reencontrar a outra pessoa, reencontro que a acumulação de tráfego adiou por alguns dolorosos minutos. Mas Diamantino sofre porque o trânsito é o seu assunto todos os dias. Diamantino não tem dias em que demorou porque esteve no trânsito. Diamantino VIVE no trânsito.

Este sofrimento não tem comparação. Nem sequer com alguns colegas de profissão: não se pode comparar a vida de Diamantino com a vida do Paulo Ferreira de Melo. Porque o Paulo Ferreira de Melo tem um helicóptero, e ninguém se cansa de histórias de helicópteros.

2 Resposta(s) a “Sinal Vermelho”

  1. # Anonymous Anónimo 6:54 da tarde

    O Diamantino é isso mesmo, mas é muito mais.
    Bom colega, grande amigo e um espectáculo na reportagem
    Paulo F M  

  2. # Anonymous Anónimo 10:19 da manhã

    Em primeiro lugar devo dizer que gostei muito do que escreveu e percebi a utilização do meu nome para ilustrar que uma profissão pode condicionar as relações sociais.
    Mas, e porque o meu nome é utilizado, devo esclarecer que, felizmente, a minha vida profissional não se resume às informações de trânsito. Participo actualmente no programa "Tudo é Possível" no Radio Clube Português com o grande colega e professor Paulo Ferreira Melo. Por aí, pode ouvir outro tipo de reportagem com uma variedade muito grande de temas que mostram que os meus conhecimentos e interesses ultrapassam em muito os automoveis, acidentes e filas de trânsito.
    Devo dizer que adoro Radio e a profissão de jornalista é uma das minhas paixões.
    Mas, e porque em Portugal a vida não está facil para uma pessoa ambiciosa, tenho que conciliar esta profissão com outras. Sou também gestor de clientes em seguros e, tive ao longo dos meus 16 anos de Radio varios cargos ligados ao negocio da Noite. Dono, gestor e relações publicas de alguns dos mais importantes espaços de diversão nocturna da cidade Invicta. Esta minha ligação a estes espaços, o último dos quais foi o lançamento da Discoteca Vogue, só terminou quando nasceu a minha filha, 4 anos atrás, e, porque o Diamantino Leite também tem algo a dizer em conversas de "café" sobre aquilo que mais me orgulho em toda a minha vida: Ser pai.

    Um grande abraço
    Diamantino Leite  

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