Nomenclatura

As constantes referências à viagem do Papa à Turquia fizeram-me pensar num tema sempre actual que diz respeito a todos, católicos ou não: a escolha do nome do Papa. Naturalmente, toda a discussão acerca deste tema foi feita no ano passado, quando se deu, efectivamente, a escolha. No entanto, eu faço questão de me manter sempre um passo atrás de tudo o que se passa à minha volta, simplesmente porque me considero um observador da condição humana e não por qualquer dificuldade de compreensão que possa existir da minha parte. Só por observação. Mesmo.

Uma rápida análise da lista de papas permite perceber que "Bento" não é propriamente uma escolha original para nome. Dos nomes escolhidos pelos 266 Papas que governaram a Igreja, a falta de originalidade de "Bento" só é ultrapassada por "João", escolhido por vinte e três papas, e é apenas igualada por "Gregório", nome escolhido também por dezasseis vezes.

A explicação é, afinal, simples: a Igreja não gosta de nomes originais. Antes do século XX, é preciso recuar ao século X para encontrar uma escolha de um nome nunca antes usado por um papa; de resto, a escolha de João Paulo I em 1978 teve as consequências que se conhecem, já que poucas semanas depois um novo papa estava a ser escolhido. O registo civil do Vaticano é lixado.

Mas há que dizer, em defesa da Igreja, que esta limitação em relação à escolha dos nomes pode ser por uma questão de mera segurança. Porque por muito que a escolha do Papa seja feita por orientação divina, esta orientação tem os seus limites e não andará por aí a sugerir nomes; assim, corre-se o risco de repetir o tal erro do século X, quando o escolhido resolveu dizer "eu queria mesmo era ser o Papa Lando". De notar que também aí os agentes do registo do Vaticano terão entrado em acção, já que o pontificado de Lando (não estou a inventar) terminou passados seis meses, por volta de Março do ano 914.

Recuando até ao século III, encontramos um papa com um especial sentido de humor. Caio, cujo pontificado se iniciou em Dezembro de 283, era também chamado "Gaio" (não estou a inventar). Caso vos esteja a escapar a ironia desta escolha, imaginem uma ocasião solene em que alguém anuncia "senhoras e senhores, o Papa Gaio." A Igreja demorou quinze anos a aperceber-se disto, e hoje não há quaisquer registos da vida deste papa.

Um pouco mais atrás, no início do séc. II, encontramos outro papa com uma escolha interessante para nome. O seu pontificado terá durado cerca de oito anos, mas não há registos de quantas vezes as multidões terão gritado "Papa Evaristo, viste Cristo?".

Guardei para o fim uma revelação surpreendente, pelo menos para mim. Os registos da Igreja são claros: houve mesmo um Papa Nicolau. Na verdade, não houve um, nem dois, mas CINCO. O Papa Nicolau I governou a igreja em meados do século IX, e é considerado um dos grandes papas da Idade Média. O Papa Nicolau II é o responsável pelo sistema actual de escolha do Papa pelos cardeais. Governando entre 1277 e 1280, o Papa Nicolau III apostou na independência da Igreja de Roma em relação às pressões estrangeiras e o Papa Nicolau IV, pontífice entre 1288 e 1292, perante os confrontos com os Mouros a Oriente, teve uma ideia original - mas ainda hoje amaldiçoará o dia em que disse "Sabem o que era giro? Uma cruzada!". Já o Papa Nicolau V, o último a escolher o nome, assumiu entre 1447 e 1455 o desenvolvimento de Roma como capital do mundo católico, das artes e dos monumentos. Para finalizar, parece-me importante registar que, pela primeira vez na história da blogosfera, se fez um parágrafo onde por seis vezes a expressão "Papa Nicolau" é escrita. Obrigado.

1 Resposta(s) a “Nomenclatura”

  1. # Blogger Dama do Oriente 9:46 da tarde

    Gosto imenso do teu humor, devias escrever mais!  

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