Às vezes sinto uma pequena necessidade de intelectualizar de alguma forma a minha existência; é uma espécie de adaptação a uma elite culturalmente superior. Ontem tive portanto uma pequena pontada na glândula cultural e resolvi ir ao teatro. Não estando neste momento em cena nenhum teatro de revista no Sá da Bandeira, resolvi ir ver outra peça. Mas não percebi.

Mas apercebi-me, isso sim, através da tal aproximação à elite, que não fui o único a não perceber. Simplesmente, existem diversos códigos que a elite cultural desenvolveu para reagir à cultura propriamente dita, sem a chegarem a observar ou apreciar. Eu diria que, em extremo, a elite cultural não chega sequer a saber onde está a cultura. Simplesmente, vai lançando esses tais códigos.

A minha preferida foi, sem dúvida, a risadinha amarga. É uma espécie de jogo para peças de teatro. O objectivo do jogo é ser-se a única pessoa da assistência a lançar a risadinha amarga num dado momento, como o final de uma frase, ou até mesmo uma pausa numa frase. Uma espécie de constatação, em que a risada é feita de forma a transmitir uma mensagem muito específica, como "deus, oh deus, como compreendo o sofrimento desta personagem, como é puro este sentimento, este texto, esta leitura, oh deus, oh deus". Se a risadinha amarga for lançada no momento certo, então será uma altura em que ninguém está a conseguir acompanhar o texto, e o resto do público fica assim a considerar-se totalmente ignorante e indigna da companhia do(a) autor(a) da risadinha.

Só não descobri é como é que eles acompanham o evoluir da pontuação, imagino que haja alguém na cabine de som a contar as risadinhas de cada um. Tenho ideia que se reuniram todos depois da peça, para atribuírem o primeiro lugar, mas não posso confirmar porque vim logo para casa, que o raio da peça dura três horas.

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