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Ainda não foi desta

"Se há um problema de saúde pública causado pela lei penal; se esta lei não defende o embrião nem o feto, pois os abortos fazem-se aos milhares; se, consequentemente, a lei penal produz maiores males do que aqueles que diz querer evitar, então é porque a lei não cumpre os seus fins.
(...)
Uma lei com a qual o Estado se torna fautor de violência contra as mulheres. Que se vêem forçadas a recorrer à interrupção da gravidez, independentemente da classe social, convicção religiosa e política. E só há uma solução. Legalizar a interrupção da gravidez quando efectuada no 1º trimestre, por decisão da mulher. Não há outras alternativas, que são falsas alternativas, porque mantêm a clandestinidade e a insegurança do aborto e não resolvem o problema de saúde pública. Não são alternativas, pois continuam a pressupor a culpa das mulheres soluções adiantadas das bandas do CDS que chegou a admitir (...) uma espécie de lapidação em praça pública das mulheres que abortassem. Basta de penas infamantes.
(...)
Afirma-se, com despudor, que onde se despenaliza a IVG, aumenta continuamente o número de abortos. O que é manipulação de estatísticas. Na base de tal posicionamento está um forte preconceito anti-feminino que outrora animou a tríade Deus Pátria e Família. Porque abortar é um verbo que se conjuga no feminino, reeditam-se argumentos fundados num forte preconceito contra as mulheres... Porque entendem que as mulheres abortam por razões fúteis. Porque continuam a entender, ainda no século XXI, que a mulher não sabe usar da sua autonomia, que não sabe tomar decisões responsáveis.
(...)
Podem classificar-se de fúteis as mulheres que abortam porque (como diz a OMS) são muito novas ou muito pobres para criar uma criança; porque entraram em conflito com os seus companheiros, porque são vítimas de violência, porque estão desempregadas, porque não desejam um filho enquanto não acabarem o curso, porque têm de estar inteiramente disponíveis para o trabalho e têm de trabalhar para a subsistência da família; porque não lhes é garantido um adequado acesso aos serviços de planeamento familiar, porque são insuficientes estes serviços, porque os métodos contraceptivos falharam; porque têm de ver renovado o seu contrato a prazo; porque estão maioritariamente representadas na alta taxa de pobreza de que são vítimas os trabalhadores portugueses? Estas não são razões frívolas.
(...)
Porque existindo uma relação inequívoca de causa e efeito, entre as leis proibitivas da IVG e aquelas consequências, a solução é legalizar, única forma de tornar o aborto seguro. Assim se respeitando a dignidade e os direitos humanos da Mulher. O direito à maternidade consciente, logo, direito a uma gravidez desejada e planeada. O Direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade. O direito à liberdade de decisão. O direito à vida e à liberdade. O direito à segurança. O direito à dignidade. Não é Portugal um Estado de Direito Democrático fundado na dignidade da pessoa humana?
(...)
Ora, constatadas as diversas opiniões sobre o início da pessoa humana, não pode, um Estado de Direito, tomar parte na querela, impondo a toda a população, as concepções filosóficas e religiosas de alguns. Isso é característico de um Estado autoritário.

É tão simples quanto isso."

Odete Santos, deputada do PCP, no debate desta tarde no Parlamento

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